Conceitos de PRODUCT-OUT e MARKET-IN
Shiba (1997) rastreou o conceito de qualidade através de quatro fases, que ele chama de “fases de adequação” Cada uma destas fases reflete uma postura da empresa em relação à noção de qualidade:
1. Adequação aos standards.
2. Adequação ao uso.
3. Adequação ao custo
4. Adequação aos requerimentos latentes.
Fase 1 – Adequação aos standards
Segundo a atitude dominante nesta fase o produto que for fabricado de acordo com a sua descrição nos manuais cumpre com os standards. Em outras palavras, adequação aos standards define a qualidade como dependendo se o produto satisfaz ou não os requerimentos do desenhista, considerados com standards, o que reduz o conceito de qualidade a uma função binária.
Uma fraqueza conceitual desta fase consiste no negligenciamento das necessidades do mercado. O trabalho das pessoas responde a uma lógica interna; ele está orientado em conformidade com os standards e com o fato de verificar se o produto faz o que foi previsto que faça, em lugar de conferir se o produto satisfaz as necessidades do cliente.
Nestas fases as técnicas utilizadas para garantir a qualidade consistem essencialmente em: metrologia, inspeção por amostragem e confiabilidade. Depois das fortes críticas, principalmente de Deming e de Juran a esta postura as empresas japonesas passaram a uma segunda fase na década dos anos 60.
Fase 2 – Adequação ao uso
Esta fase utiliza a definição de qualidade dada por Juran, para quem Qualidade significa “adequação ao uso”. Desde esse enfoque, nesta fase, a empresa analisa a maneira de satisfazer umas das mais importantes necessidades do mercado: a necessidade de uso. A decisão sobre a aceitabilidade de um produto depende da resposta à seguinte pergunta (implícita ou explícita): Pode o produto ser usado como o cliente quer usá-lo? A aplicação do critério de adequação ao uso, em última instância, também reduz a qualidade a um problema de inspeção. Essencialmente o que mudou, o respeito ao critério de adequação aos standards, é a pergunta a que se submete cada item. Neste caso ela é: Satisfaz este item as necessidades de uso? Se a resposta é não, o item é declarado não conformante. A medida da má qualidade continua sendo o número de não conformantes.
Uma diferença importante desta fase com a anterior é que agora o teste que o produto
precisa passar é planejado e realizado com critérios alimentados por uma fonte externa: o cliente, que define se o produto satisfaz ou não sua necessidade de uso. Nesta fase o cliente começa a ganhar a atenção da empresa, fato que representa um avanço considerável se comparado à adequação a standars. A razão é muito simples: o cliente muito raramente entende de standards, mas ele com freqüência sabe qual é o uso que quer dar ao produto que ele adquire e se o produto é adequado ou não para esse uso.
As técnicas utilizadas na fase de adequação ao uso – além das já utilizadas na adequação aos standards – consistem principalmente em métodos e modelos de simulação do uso que o cliente dará ao produto e das condições em que isso virá a acontecer.
O critério de adequação ao uso gera também um alto grau de conflito entre trabalhadores e inspetores, na mesma forma em que isso acontecia quando se aplicava o paradigma de adequação aos standards. Outra fraqueza do foco na adequação ao uso é que a vantagem competitiva que ela oferece é muito tênue. A empresa pode até ganhar vantagens competitivas por algum tempo. Mas rapidamente aparecem outros competidores que oferecerão a mesma adequação ao uso com um preço menor. Exemplos: câmeras, relógios, filmadoras, etc.
Fase 3.- Adequação ao custo
A base desta fase é todo conceito de competitividade está fortemente determinado por duas componentes empresariais: alta qualidade e custo baixo. A chave para manter alta qualidade, mantendo, concomitantemente, os custos baixos, está na redução da variabilidade dos processos de produção. Além das ferramentas utilizadas nas Fases 1 e 2 uma variedade de novas técnicas são utilizadas de forma generalizada nesta fase com o objetivo de atingir custo e qualidade:
• Tecnológicas: que aumentam a velocidade de certas operações e reduzem variabilidade; automação.
• Estatísticas: para submeter o processo ao estado de controle e identificar causas. Deming considerava a variabilidade como “o pior inimigo da qualidade”.
• Gerenciais: análise de problemas e de melhoria contínua na linha de produção.
• Utilização do feedback do processo.
Fase 4 – . Adequação aos requerimentos latentes.
O foco é externo, e conta desta vez com um forte restrição interna. O foco é externo porque a empresa precisa saber o que o cliente quer, mensagem que a maioria das vezes o cliente não passa de maneira clara, o que o cliente vai querer amanhã, e ainda não sabe nem poderia saber o que ele viria a querer se nós criarmos a necessidade de um produto que ainda não existe, mas que poderíamos criar. Nesta fase conceitual o cliente entra definitivamente dentro dos limites do processo da empresa como co-criador de produtos e serviços. Como veremos mais adiante, é a fase que demanda da empresa a adoção de uma nova mentalidade, que chamaremos de customer-in. Nisso consiste, precisamente, a adequação às necessidades latentes.
Restrições Internas: Vários são os fatores internos que atuam como restrições que impedem ou dificultam a realização da fase de adequação às necessidades latentes. Os velhos sucessos da empresa, estratégias e produtos que deveriam ser abandonados e a empresa continua aferrando-se a elas, etc. A empresa “se fixa” em seus produtos e se torna cega ao mercado. Talvez o exemplo mais comentado é o da IBM, que se fixou nos mainframes enquanto as necessidades do mercado passavam por outras avenidas.
Um ótimo exemplo sobre requerimentos latentes do cliente é oferecido pelos programas de computador baseados em ícones. O novo paradigma dentro desta área é que o cliente não quer saber de programar. “Que a máquina se vire”.
Podemos interpretar o exemplo dos ícones dentro do contexto dos quatro níveis:
1. Os programas devem cumprir com os standards; não destruir arquivos, satisfazer
critérios de confiabilidade, não travar, etc.
2.- O programa deve adequar-se ao tipo de uso a que está destinado; se trata de um programa que deve servir para fazer desenhos, deve facilitar essa tarefa de forma “user friendly”.
3.- Se os custos dos programas fossem custo muito elevados, mesmo que realize as necessidades de uso e que seja confiável o produto dará pouca competitividade à empresa.
4.- Elementos de diferenciação podem ser introduzidos pela empresa para satisfazer necessidades latentes do cliente. Antes de aparecer, algumas características dos editores de textos, por exemplo, eram inimagináveis para os usuários. Eles jamais teriam colocado isso numa lista de suas necessidades e muito menos de suas especificações. A consciência de sua importância surge após o aparecimento de produto no mercado.
Este axioma do TQM considera que, em essência, existem nas empresas dois tipos básicos de atitudes em relação a seu sistema produtivo: a mentalidade “market-in”, que se focaliza na satisfação do cliente como propósito fundamental do trabalho, e seu oposto a “product-out”, na qual o produto em si mesmo é o propósito do trabalho.
O conceito tradicional, a mentalidade product-out, afirma que um trabalho está bem feito se o produto é fabricado de acordo com as especificações do manual, e se o resultado do trabalho é um produto que satisfaz todas as especificações ou standards. Esta atitude em relação à produção chama-se product-out porque focaliza no esforço da companhia em lançar ao mercado o que “ela considera” ser um bom produto, só de acordo com seus próprios critérios.
Nós verificamos na prática com triste freqüência- que as empresas que se comportam com a mentalidade product-out consideram, muitas vezes, que o cliente é estúpido e que não entende nada de especificações. O correto, já observado por Deming, é que o cliente não tem obrigação de entender de especificações -nem poderia entender em caso de especificações técnicas. É claro que não por isso ele é estúpido, por mais que a empresa insista nisso.
Por que a mentalidade product-out inibe o processo de melhoria da performance?
Existem sem dúvida vários fatores; consideremos alguns deles: dentro do esquema product-out os funcionários assumem que sua única obrigação é fazer o trabalho de forma que o produto satisfaça as especificações, tanto do produto como do processo. Isso define a lógica do trabalho, que todo mundo respeita e à qual ele deve ajustar-se. Ele não é estimulado nem recebeu ou foi treinado em ferramentas de melhoria para ir além das especificações e tentar fazer um trabalho melhor. Como qualidade e especificações são conceitos que são considerados equivalentes dentro deste modelo de pensamento, tenta evitar-se qualquer tentativa de sair-se dos standards, mesmo que isso venha a trazer melhoria para o processo. Isto é, a melhoria é erradicada dentro do universo mental do trabalhador.
Assim, a mentalidade product-out priva ao trabalhador do direito de melhorar seu próprio trabalho e de usar seu cérebro para isso. O priva do direito a sentir orgulho pelo trabalho bem realizado. Como na história dos meninos da selva que foram criados pelos lobos, o contexto – neste caso manuais, standards ,etc. – constituem uma restrição e um limite para o crescimento.
Uma empresa product-out possui várias características negativas derivadas desta mentalidade que não se reduzem em privar o funcionário de seu direito a melhorar. Ele está obrigado a produzir dentro das especificações; mais com muita freqüência o processo se recusa a fazer isso; o processo não entende de especificações. Quando a capacidade do processo é inadequada, o número de vezes em que o produto ‘não satisfaz’ as especificações pode tornar-se muito elevado. O trabalhador será impotente para melhorar o processo; pior ainda, ele geralmente está proibido de fazê-lo. De qualquer maneira, alguém precisa ser punido, e ele é o candidato natural. Este mecanismo perverso gera medo no trabalhador; o medo de ser cobrado por algo que ele não controla.
Mas o sistema vinga o trabalhador, o que também é um fato negativo . Em uma empresa product-out a mentalidade se espalha por todos os níveis e capas gerenciais, afetando gerentes médios, altos, a Alta Administração, etc. “Aqueles que indiciaram o trabalhador, são por sua vez indiciados pelos seus superiores pelo resultado de processos que eles não têm condições de melhorar.” Não é nenhuma surpresa que isso aconteça, já que a mentalidade product-out é perfeitamente compatível com o tipo de organizações hierárquicas, desenhadas nos modelos impostos por Fayol, com estilo e valores tayloristas de estrita divisão do trabalho. A dificuldade com a estrutura hierárquica – taylorista, é que ela não permite uma resposta, o suficientemente rápida, às necessidades do mercado, o que reduz a capacidade competitiva da empresa. Assim, a empresa toda é punida e não só o trabalhador.
O foco no processo quebra um importante paradigma da fase product-out, a de que os problemas são causados pelos indivíduos e não pelo sistema.
Mas a focalização nos processos e não nos indivíduos, mesmo significando um enorme progresso, ainda não é suficiente. Importa perguntar-se: qual é o propósito de cada processo; i.e., o porquê e para quê fazer as coisas. A mentalidade customer-in oferece essa resposta: as coisas que devem ser feitas e como devem ser feitas são determinadas pelo grau com que elas contribuem a satisfazer as necessidades dos diferentes clientes; ou, em outras palavras em ” criar e manter os clientes”. A questão de como as coisas funcionam é extremamente importante; perguntar-se “Com que propósito?” representa o ponto crítico da questão. Este ponto crítico deixa de ser percebido pelo fato de que numa organização existem milhares de processos gerando atenção no problema de ” fazer as coisas”, descuidando-se o “porque e para que fazer as coisas”.
A disciplina da Qualidade Total mostra-se a forma mais eficiente de que nossas ações se sustentem nas realidades do mercado; para conseguir isso é condição necessária a inclusão do cliente dentro dos limites do sistema. Caso contrário nossos esforços poderão falhar e a organização poderá sair do mercado apesar de sua eficiência. Nisso consiste, essencialmente, a mentalidade customer-in.
A mentalidade customer-in induz uma mudança e uma expansão constante da definição de qualidade, não tanto na sua versão formal, mais principalmente na sua tradução operacional . À medida que clientes e interessados pedem mais, suas expectativas aumentam, e as empresas precisam oferecer cada vez mais.
Qualidade possui significado diferente para pessoas diferentes. Hoje, “qualidade” é “entender, aceitar, atender e exceder as necessidades, os desejos e as expectativas do cliente, continuamente.
Entendimento: significa trabalhar com os clientes para conhecer seus verdadeiros desejos e expectativas, em um processo contínuo, não apenas uma tarefa ou uma atividade. Este trabalho deve ser capaz de responder à pergunta: o que é que o cliente espera?
“À medida que as empresas desenvolvem um entendimento cada vez maior, elas podem e devem – expandir seu conceito de foco no cliente, incluindo os clientes de seus clientes como mecanismo para antecipar as necessidades e as expectativas dos clientes. Sabendo de antemão o que os clientes de meus clientes estão solicitando eu posso antecipar o que os meus clientes irão me solicitar. Afinal, antecipação é realmente uma forma mais elevada de entendimento.
Para atender as necessidades e expectativas dos clientes, a administração precisa saber o que eles acreditam estar recebendo. É preciso distinguir entre percepção e expectativas.
Percepção é uma relação que ocorre entre a mente do cliente e o produto. Expectativa é uma criação do cliente, influenciado não só pela empresa mas também pelo ambiente de negócios, os concorrentes, e, mesmo antes que o cliente tenha contato com o produto. Estas duas variáveis determinam o grau de satisfação do cliente.
Satisfação do cliente, Percepção do cliente e Expectativa do cliente.
Com freqüência as empresas, submetidas à pressão de vendas, “fazem promessas” ao cliente sobre certas características do produto, aumentando as expectativas do cliente em relação ao mesmo, i.e., aumentando o denominador da relação anterior. Quando a expectativa não é satisfeita, i. e., quando o numerador permanece fixo a satisfação do cliente diminui, produzindo um efeito contraproducente. Isto acontece quando um anúncio ou propaganda modela a expectativa do cliente e este passa a cobrar a característica prometida: sabão em pó que lava mais branco, faca que corta tudo, travesseiro que evita dor nas costas, etc.
Sobre percepção e expectativas
Expectativa é aquilo que os clientes acham que receberão ao estabelecer um relacionamento ou transição.
Percepção é aquilo que os clientes crêem ter recebido ao concluir o relacionamento ou transação.
Em ambos os casos o importante é o que os clientes pensam. Aí reside a complexidade e o desafio para a empresa, pois quase sempre há uma lacuna entre aquilo que as empresas consideram ter vendido e o que os clientes crêem ter comprado. Uma outra lacuna, talvez a mais importante, é a que existe entre aquilo que as empresas consideram ter vendido (fruto da percepção da empresa em relação ao produto por ela fabricado), e o produto realmente entregue ao cliente. Uma outra lacuna consiste na diferença entre o que o cliente quer e o que a empresa acha que ele quer e, mais uma lacuna, entre o que a empresa acha que o cliente quer e o projeto de seu produto Pelos comentários anteriores surge como evidente que no que se refere ao contato com o cliente e ao processo de satisfação de suas necessidades é importante para as empresas lidar tanto com suas expectativas como com suas percepções. Isso obriga a empresa a pensar em desenvolver medidas de desempenho, que garantam, como parte de sua estratégia de longo prazo, que todas as comunicações com os clientes antes da transação – ou seja, aquelas comunicações que criam expectativas – sejam apropriadas.
Ao mesmo tempo é importante que as empresas lidem com as percepções dos clientes, ou seja, o que ocorre depois da transação ou serviço. As empresas deveriam ter medidas de desempenho que focalizem o contato com o cliente após a transação. Essas medidas deveriam incluir contactos para obtenção de informação e contatos durante o serviço de Ass. Técnica. e de Garantia – qualquer coisa que afete as percepções dos clientes. Muitas vezes o cliente não tem consciência de todas as características e elementos da Assistência Técnica de um produto ou transação. As medidas certas de desempenho para a comunicação com os clientes são importantes na administração de suas percepções.
Como uma empresa pode exceder as expectativas dos clientes?
A qualidade tem mais de uma dimensão; a complexidade do problema com que a empresa deve lidar deriva do fato de que diferentes clientes ponderarão de forma desigual cada uma destas dimensões. A título de exemplo: em um carro um determinado tipo de cliente valorizará mais a potência; outro tipo de cliente terá forte preferência pela confiabilidade, e assim por diante. A empresa deve satisfazer ao cliente em cada uma das dimensões consideradas, mas, em resposta à primeira questão a empresa, para exceder as expectativas do cliente não só deve satisfazer as exigências em cada uma das dimensões como também deve excedê-la em algumas delas. Aquelas características do produto/serviço onde as expectativas do cliente são superadas, principalmente quando elas são as mais valorizadas pelo cliente, são as que determinam que os clientes se “regozijem no relacionamento” com o fornecedor.
A armadilha da qualidade: Para ganhar a fidelidade dos clientes as empresas precisam oferecer produtos/serviços que excedam suas expectativas pelo menos em algumas das características que definem sua qualidade. Mas, os clientes quanto mais conseguem, mais querem, e esse nível adicional de qualidade que alguma vez gerou entusiasmo passa a ser considerado como requisito básico ou exigência mínima. Conseqüentemente, com o tempo, esses atributos deixam de causar entusiasmo no cliente, que passa a exigi-lo como se fosse uma necessidade básica a ser satisfeita.
O entusiasmo do cliente só poderá ser mantido se a empresa desenvolver aptidão para ele, sempre “ainda mais”. Esse processo não tem fim, demandando uma qualidade cada vez maior de todos os produtos e serviços por parte das empresas que pretendam permanecer no mercado.
Exemplos: A série de exemplos onde “a armadilha da qualidade” pode ser percebida é realmente interminável. Um caso evidente é exemplificado pelo calçado chamado “tennis”. Se comparamos as características que possuem os tennis atuais com aquelas que nos entusiasmavam 10 ou 20 anos atrás, percebemos a profundidade das mudanças sofridas por um produto aparentemente simples, mas que obrigou as empresas líderes do ramo a uma contínua introdução de inovações para poder permanecer na liderança do ramo.
Autor
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PhD em Administração de Empresas pela Flórida Christian University (EUA) PhD em Psicologia Clínica pela Flórida Christian University (EUA) Psicanalista e Diretora de Assessoria Geral da Sociedade de Psicanálise Transcendental. Mestre em Administração de Empresas pela USP. Especialista em Estratégias de Marketing em Turismo e Hotelaria pela USP, MBA em Gestão de Pessoas, MBA em Metodologia e Didática do Ensino Superior e Especialista em Informática Gerencial.
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