A cola do conhecimento
A cola do conhecimento
Cada um de nós usa uma forma para aprender.
Nos meus anos de colégio, tinha um amigo que me assombrava com a capacidade de reter informações. O garoto tirava dez em todas as provas.
Quando perguntávamos como ele conseguia a proeza, respondia que não sabia, apenas guardava as informações. Nós, claro, vivíamos especulando, principalmente porque ele dizia não estudar.
Uau, ali estava um gênio! A garotada o procurava, ficava ao seu lado na sala de aula, tentava se tornar o melhor amigo, mas uma coisa chamava a atenção: Ninguém jamais estivera em sua casa e sequer fora convidado.
Vivíamos enfiados um na casa do outro, tocando violão, lendo revistas, ouvindo músicas, fazendo torneio de damas, bailinho de garage, apenas conversando, então algo estava errado, pensávamos.
Ele sempre tinha uma desculpa e nunca se enturmou direito. Claro que algumas coisas que fazíamos eram pouco recomendáveis.
Estudávamos a noite, nosso colégio ficava entre o cinema e o campo de futebol do time da cidade, dá para imaginar o efeito!
Pulávamos o muro para ver os jogos das quartas-feiras e também os filmes em cartaz. Pegamos algumas suspensões, mas a molecagem apenas acabou quando um desavisado saltou o muro e caiu sobre um policial que passava. Alguns metros a mais de tijolos assentados colocaram um ponto final nas aventuras.
O que estava errado com nosso amigo? Ou quem sabe certo?
A verdade aparece. Sempre!
A escola lançou a “prova unificada”. Seriam cem questões envolvendo todas as matérias, duas vezes por ano.
Entramos em desespero. Passávamos apertados com apenas uma matéria por vez, o que dizer de todas ao mesmo tempo?
Para irritação dos professores e da direção, começamos a infernizá-los: – Professor, nós não conseguimos cuidar de duas tartarugas ao mesmo tempo. Uma sempre escapa, então por que nos dar tantas?
Não teve jeito. – Vocês aprenderão a cuidar das tartarugas, não se preocupem suas lesmas – dizia um dos professores. Desse gostávamos muito, pois além de saber como conduzir as matérias fazia parte dos ensaios do coral e arrancava umas notas no violão.
Na turma, os mais “chegados”, somavam oito. Estes não se largavam, nem para comer pipoca no intervalo.
Decidimos estudar oito horas por dia até a prova. Oito horas que nunca foram oito, e no máximo e espremido conseguíamos aproveitar duas. O resto era de conversa fiada.
Acabamos descobrindo a pólvora! Aquele que sabia ensinava quem não sabia. Percebemos que ao ensinar fazíamos descobertas e aprendíamos também. Tudo ficava ainda mais fácil, pois ao ter que repetir várias vezes a mesma explicação o “mestre” fazia suas descobertas e consolidava seus conceitos.
Que maravilha, nos demos conta do valor da reflexão!
Meu Deus e literatura? O que fazer com essa matéria?
As garotas da turma liam mais que os garotos. Entre uma partida de futebol de salão e um livro optávamos pela primeira.
Aqueles encontros diários começaram a mexer conosco. Primeiro porque ler nos aproximava das meninas e permitia levar um “papo cabeça”, e segundo porque aumentava as chances de conquistas. Assim quem não lê?
O processo de aprendizado se tornou dinâmico e prático. Realizada a primeira prova, os professores não acreditavam no que estavam vendo: a turma do fundão com aquelas notas?
A maior nota do colégio saiu dali. Nas palavras de uma das professoras “Deus existe e opera milagres, ainda que, às vezes, tenha que usar a turma do fundão”.
Conseguimos essa proeza uma segunda vez, depois o grupo se desfez.
Você deve estar curioso: – E aquele garoto gênio, que fim levou?
Ele nunca quis fazer parte do “grupo de estudos” e não foi bem nas provas unificadas. Com o tempo nos tornamos um pouco mais amigos e entendi como funcionava seu processo de aprendizado, que chamávamos “decoreba”.
Um ou dois dias antes da prova, ele estudava o máximo que podia decorando. O processo tinha efeito rápido, passadas estas o gênio evaporava e ele se tornava tão comum como todos nós.
A grande lição que tiramos disso foi a descoberta da cola do conhecimento. Dica que nos deu nosso professor cúmplice: “Quantos mais a gente sabe sobre diversos assuntos, mais fácil aprender”.
É como se passássemos uma cola no cérebro. As novas informações batem e grudam.
Com isso veio também o gosto pela leitura.
Ficamos todos um pouco mais espertos, mas de vez em quando ainda deixamos uma tartaruga escapar.
Ivan Postigo
Diretor de Gestão Empresarial
www.postigoconsultoria.com.br
Nossas maiores conquistas não estão relacionadas às empresas que ajudamos a superar barreiras e dificuldades, nem às pessoas que ensinamos diretamente, mas sim àquelas que aprendem conosco, sem saber disso, e que ensinamos, sem nos darmos conta.