Precisam, mas não tem interesse
Precisam, mas não tem interesse
Um profissional de gestão que acabou se tornando um amigo, depois de anos trabalhando e adquirindo experiência, concluiu que era a hora de levar ao mercado um pouco do que sabia.
Treinamentos, workshops, palestras, no seu entendimento, deveriam ser o caminho.
Fez abordagens durante algum tempo, contatou quem conhecia, quem não conhecia, empresas que vendem cursos, mas não gostou do que viu.
Buscou patrocínio e não teve sucesso.
Contas dificilmente atrasam para nos alcançar, então fazendo cálculos e assediado por uma proposta, colocou um fim na empreitada e voltou para seu “habitat”, como costuma chamar.
Não teve nenhum retorno do que investiu e o aprendizado, conforme diz, é que de graça, aqui as coisas são muito caras. O apoio financeiro é praticamente inexistente e ainda que você pague do bolso poucos valorizam.
Eu sei como ele se sente, afinal estamos na área de consultoria e treinamento já há um bom tempo e na família tivemos pessoas trabalhando com eventos culturais.
Estive em muitos, não eram caros não, mas as salas se apresentavam constantemente vazias.
Sou daqueles que gosta de teatro de bolso, então cada encontro uma surpresa!
Vamos nos deparar com apresentações muito interessantes e também com aquelas terríveis, mas assim se faz experimentações e se aprende.
Na conversa, nosso amigo ficou sabendo que em determinada época, para um livro, buscamos patrocínio e depois de dois mil contatos, recebemos mil respostas negativas. Interessante, foram exatamente mil.
Havia um projeto associado à formação de jovens para uma determinada função no mercado, que costuma gerar rendimentos interessantes, e que os permitiria atuar sem necessariamente ter um bacharelado, mas acabou na gaveta.
Surgiu, então, a idéia de escrevermos um livro sobre a difícil tarefa de busca de patrocínio com o título “Mil Vezes Não”. Não levamos em frente por duas razões: Teríamos que bancar o livro e quem se interessaria em ler?
As pessoas envolvidas diziam: Esse não é nosso negócio, nossos projetos, aqueles que nos permitem pagar as contas, não podem ser prejudicados.
E assim algumas idéias permanecem no rol apenas das boas intenções. A materialização dependerá de muitos fatores.
Como costumo anotar as respostas e guardar os e-mails, amigos que pediram para ler as razões das rejeições ficaram surpresos com a arrogância em muitas delas. E nos perguntaram como nos sentíamos com aquilo.
Simples, sabíamos que seria difícil e que daríamos um tempo para as coisas acontecerem, caso contrário tocaríamos nossa vida, fazendo o que sabemos com o que temos.
Lembro de um violonista brasileiro, simplesmente espetacular, que faz grande sucesso no exterior e aqui a carreira não deslanchava, dizer em uma entrevista que nós brasileiros fazemos sucesso quando colocamos os pés no aeroporto.
Por alguma razão nosso comportamento não nos leva em busca do conhecimento e desenvolvimento da própria cultura. Estamos ou sempre fomos, uma questão a ser debatida, muito presos ao “enlatado”.
Outro aspecto que incomodou esse meu amigo foram as respostas: “Não temos interesse!”
Ele me dizia: – Poderia me explicar, como pode uma empresa, que sei que tem o problema, dizer que não tem interesse?
Ora, mais uma questão simples. Quem responde não é a empresa, é um dos gestores.
Ele até pode ter consciência do problema, se é que tem, mas não tem a menor preocupação com a solução.
Corresse o risco de perder o emprego, certamente faria alguma coisa, mas qual é a probabilidade?
Existem também aqueles que são os donos dos negócios é verdade, porém nesse caso a questão é mais complexa. Não pensam na solução, mas no gasto que terão. Acreditam que são capazes de resolver, sem interferência, entre outras tantas razões.
Já conduzi projetos de fechamento e venda de empresas, onde gestores ainda se diziam capazes de reverter a situação, mesmo no momento fatal.
Assisti reunião onde um executivo perdeu o emprego, apesar de ter um projeto na gaveta para solução do problema. Fora voto vencido nos debates e as medidas foram redigidas para que as implementasse e também se safasse.
Não o fez e tentou sobreviver com o silêncio.
No jargão empresarial: Caiu!
Precisava, mas não tinha interesse…
Precisar e ter interesse podem estar em lados opostos de uma moeda.
Você tem interesse em ir ao dentista? Normalmente não, ta certo? Vai porque precisa. Assim são muitas coisas na vida.
Vai ao médico por que tem interesse ou por que precisa?
Não nos faltarão jamais pessoas precisando de ajuda e que não tem interesse.
A regra, ainda que difícil de ser aceita, é não perder tempo com desinteressados.
Um dia eles estarão. A questão é se terão tempo, mas isso não depende de nós.
Depois de algum tempo de conversa, ele me disse: – Entendo suas colocações, mas não me conformo.
Respondi: – Ora, você tem interesse nesse conforto, mas não precisa!
Alguns minutos de silêncio para reflexão e um sorriso.
Não perguntei, mas o que deve ter pensado?
Ivan Postigo
Diretor de Gestão Empresarial
www.postigoconsultoria.com.br
Nossas maiores conquistas não estão relacionadas às empresas que ajudamos a superar barreiras e dificuldades, nem às pessoas que ensinamos diretamente, mas sim àquelas que aprendem conosco, sem saber disso, e que ensinamos, sem nos darmos conta.
Autor
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Economista, contador, pós-graduado em controladoria pela USP. Vivência em empresas nacionais, multinacionais americanas e européia de lingotamento de aço, equipamentos siderúrgicos, retroescavadeiras e tratores agrícolas, lentes e armações de óculos, equipamentos de medição de calor, pilhas alcalinas, vestuários, material esportivo, refrigerantes, ferramentas diamantadas , cerâmicas, bebidas quentes, plásticos reciclados, hotelaria e injeção de plásticos. Executivo nas áreas fabril, administrativa/financeira, marketing e vendas.
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